Outro amigo de meu avô, também natural de Cabo-Verde, era o senhor Dantas dos Reis que foi para Angola como Secretário de Fazenda, sendo colocado na Repartição de Fazenda e Contabilidade (que hoje chamam de Finanças) em Silva Porto, Bié.

Meu pai também trabalhava na Repartição de Fazenda em Silva Porto. Um dia em conversa com o senhor Dantas dos Reis disse-lhe que era casado com uma senhora natural de Cabo-Verde, filha de José Soares de Brito. O senhor Dantas ficou surpreso por se tratar de um grande amigo dele.

Visitaram-se, tornaram-se muito amigos. Era casado e tinham dois filhos. Um dia esse senhor, falando de meu avô, contou que ele não era muito amigo de viajar. Era difícil tirá-lo de São Vicente. Um dia apresentou-se no seu escritório um senhor vindo do Brasil, a pedir que tomasse conta de um caso seu, muito difícil.

Já tinha recorrido aos Tribunais no Brasil e não conseguia nada, estava farto de gastar dinheiro e foi então que lhe indicaram o seu nome. O meu avô disse-lhe que não saia de Cabo-Verde, mas se o senhor quisesse deixava-lhe todos os dados para ele estudar e ver o que podia fazer. Assim foi.

António com 20 anos

Armando com 20 anos

Lili e Guida num piquenique no rio Cuquema., a lavar a loiça



Eu que era muito pequena, ouvia essas histórias e sei que o meu avô ganhou o caso, que foi muito falado naquela época, segundo contou o senhor Dantas.



Prosseguindo agora com a história de meus pais, minha mãe foi para Angola com os primos. O primo Neves estabeleceu-se em Benguela como comerciante. Minha mãe, segundo me contava, era alta, elegante, bonita, cabelos compridos e ondulados, e os rapazinhos começaram a reparar nela. O primo Neves ensinou-a a montar e ao fim de 3 a 4 anos já dominava bem os cavalos.





Minha mãe contou-me que um dia, à tardinha, estava a passear com as amigas no jardim da cidade e em conversa falaram que havia na terra um cavalo muito difícil de montar e minha mãe que era toda cheia de personalidade, disse que era capaz de o montar.



Todas riram, não acreditando e então fizeram uma aposta dizendo que ela não era capaz de aparecer no dia seguinte no mesmo sítio, montando o cavalo. A palavra passou de uns para outros e no dia marcado, lá estavam as amigas e vários rapazes, no sítio combinado, não acreditando que a Beatriz aparecesse.



Há hora marcada, para espanto de todos, apareceu a minha mãe muito direita e orgulhosa, montada no tal cavalo, o que naquele tempo era uma grande proeza e ganhando assim a aposta.


Matança do porco em casa de meus pais.Presentes: Minha mãe, Mimi, tia Mariazinha e Fernando Costa.

Maria Manuela Soares Leal (18 anos) e Maria do Carmo Soares Leal (16 anos).Reveillon de Dezembro de 1954 em Silva Porto - Angola


Entre a rapaziada, havia um rapaz alto, de bigodinho, bonito, louro e de olhos verdes, que a começou a cortejar. Minha mãe disse-me que ao princípio não lhe ligava, pois ela sempre foi muito autoritária e não dava confiança, mas começou a gostar dele.

Esse moço era o Manuel Gomes Leal. Pediu-lhe namoro, apresentou-se aos primos de minha mãe que simpatizaram com ele e escreveram ao meu avô a contar que o pretendente da Beatriz era bom rapaz e comerciante. Meu avô escreveu logo muito zangado, a dizer que a filha dele não casava com um comerciante.

Minha mãe escreveu ao pai a pedir-lhe o seu consentimento e explicando-lhe que o Manuel era um bom rapaz, respeitador e com bons sentimentos. Meu avô respondeu dizendo que se ela casasse com aquele rapaz, deserdava-a, e que esquecesse que ele era seu pai.

O amor foi mais forte, e a força do destino também. Minha mãe que também tinha um génio forte, não quis saber da ameaça e foi viver com o seu Manuel, mesmo sem casar, pois Deus abençoaria a sua união.

Um dia meu pai, pois era dele que se tratava, vendeu a sua casa comercial de Benguela e foi estabelecer-se em Vila Nova de Séles. Era mato, e minha mãe contou-me que era muito nova e chorava com medo, pois meu pai tinha que ir pelo mato procurar mantimentos, a cavalo, com os nativos a acompanhá-lo, deixando-a sozinha a tomar conta da loja durante dias, apenas com o cozinheiro e os serventes.

Como vizinhos, apenas outros comerciantes que viviam no mato, afastados uns dos outros. Quando se deslocavam para se visitarem, faziam-no de tipóia, uma espécie de liteira, carregada por quatro carregadores. Minha mãe ia lá sentada, e o meu pai ia a cavalo. Era uma zona de muitos animais selvagens. Uma vida muito difícil, mas o amor deles ajudava-os a vencer as dificuldades





Em 1920, a 25 de Junho, nasceu o primeiro filho dos seis que tiveram, a quem deram o nome de Francisco José.





Contou-me minha mãe que o bébé nasceu numa Missão que havia naquela zona, pesando apenas um quilo e meio, tão pequenino, que a senhora que ajudou no parto, uma alemã chamada Keith, embrulhava-o em algodão, para lhe pegar.





O bébé nasceu assim pequenino, porque minha mãe com vergonha que lhe vissem "de barriga", apertava-se com uma cinta feita por ela, de pano, e como enjoava muito, pouco comia. A "dona" Keith, zangou-se muito com ela, porque naquele tempo no mato não havia médicos, e minha mãe teve muita sorte, e aquela senhora alemã ajudou-a muito. Minha mãe ficou quinze dias na Missão, e o bébé vingou.


Meu pai nas suas viagens e à hora da refeição com colegas da Repartição de Fazenda (senhores Lemos e Valentim de Sousa)